Gustavo Ávila: entrevista com o autor de 'O sorriso da hiena'

Gustavo Ávila

Gustavo Ávila nasceu em São José dos Campos/SP, em 1983. Da cidade natal partiu para Florianópolis, onde morou por três anos antes de ir para São Paulo. Na capital paulista trabalhou por mais de cinco anos em agências de publicidade e, depois dessa temporada, resolveu voltar novamente para Florianópolis. O plano estava traçado: dedicar mais tempo à literatura e ao projeto do seu primeiro livro.

Em 2015 o Gustavo lançou o seu primeiro livro, 'O sorriso da hiena', um thriller policial que ganhou elogios da respeitada booktuber Tatiana Feltrin e que tem resenha feita por mim neste link. Acredite, esse é um excelente livro e nem dá para acreditar que é a estreia de um escritor. Se eu trabalhasse em alguma editora, eu ficaria de olho no Gustavo. 

Após ler (e me apaixonar) o seu livro, resolvi entrar em contato com o autor e trocar ideias sobre a obra. Foi muito interessante, e uma novidade para mim, trocar e-mails com um autor sobre um livro dele. Aproveitei o contato e pedi uma entrevista, e é com grande prazer que divido com vocês as respostas - muito interessantes - do Gustavo. 


Entrevista


1. Você é um escritor jovem, mas muito talentoso. Bastam algumas páginas de leitura de ‘O sorriso da hiena’ para ver isso. Quando você começou a perceber o seu talento para a escrita?

Eu comecei a escrever para pagar as contas. Na verdade, quem descobriu minha queda para as palavras foi um professor do curso de publicidade. Para quem não conhece, na área de criação publicitária normalmente se trabalha em dupla: um é o diretor de arte e outro é o redator. Quando comecei, confesso que não sabia muito bem sobre essa divisão, e minha ideia era ser um diretor de arte. Porém, em uma entrevista de emprego com esse professor que também tinha uma agência, ele disse que me contratava, mas queria me contratar como redator. Eu só queria ser contratado, entrar logo no mercado, então aceitei. E foi a melhor coisa que fiz. Foi assim que me apaixonei pelo poder da escrita, pela força que tem uma história. A partir desse ponto comecei a me aprofundar cada vez mais nas técnicas e formas de confeccionar um texto.

Vale aproveitar, já que entramos neste assunto, para destacar a importância de um professor na vida de alguém. Foi um professor atento que viu uma capacidade em mim que nem eu mesmo tinha notado até aquele momento. Obrigado professor José (Zé) Luis Ovando.

Capa de 'O sorriso da hiena'


2. Você é publicitário, por formação e profissão, certo? A sua formação te ajudou no processo de escrita? De que forma?

Por formação, mais ou menos, por profissão sim. Digo mais ou menos por formação porque eu não cheguei a terminar a faculdade de publicidade. Eu deixei o curso pela metade. A grande verdade é que poucos cursos publicitários servem realmente para formar um profissional de comunicação. Principalmente na área de criação, existem escolas e cursos mais focados que são mais competentes neste trabalho de formação. Sinceramente, acho muito mais interessante para um publicitário buscar uma formação em áreas que buscam entender o ser humano, como psicologia. Afinal, são para pessoas que criamos. Mas também há faculdades boas, principalmente se a pessoa quiser ir mais para o lado do marketing.

Acho que saí um pouco da questão (rs). Ser publicitário me ajudou de muitas formas a me tornar um escritor. A primeira delas é que se não fosse a publicidade, talvez eu nunca tivesse descoberto o gosto pela escrita. Outro ponto é que muitas técnicas de redação publicitária me ajudam na hora de escrever um texto literário. Em publicidade é preciso ser envolvente, chamar atenção e segurar a pessoa, e isso eu tento fazer também na literatura. Com certeza a publicidade foi determinante para o ritmo do meu texto e a forma como tento conduzir o leitor para o que eu quero dizer. E tentar fazer isso de um jeito mais leve, tomando o cuidado de ser simples sem ser raso.

Além da escrita, a publicidade me ajuda muito neste momento, neste começo de carreira, onde tento abrir espaço ao redor da mesa do tão cobiçado bolo do mercado literário. E como sou um autor independente, sem muitos recursos, é preciso achar alternativas de comunicação e trabalhar de forma inteligente nesta estratégia para acertar o máximo possível com poucas balas no tambor. 

  
3. Sou fascinada por livros que retratam serial killlers, como a série Hannibal de Thomas Harris ou alguns do autor norueguês Jo Nesbo. E foi interessante ver que, apesar de todas as obras que li sobre o assunto, o assassino do seu livro é diferente de tudo que eu já havia visto. De onde surgiu a ideia para o plot de ‘O sorriso da hiena’? Alguém que te inspirou na construção do personagem David?

A série de Thomas Harris é incrível. Ainda não li Jo Nesbo, mas pretendo corrigir isso na próxima leitura. O plot da história foi a primeira coisa que veio e que me apareceu meio que por acaso. Eu tenho o costume de anotar ideias que surgem e guarda-las. E foi isso que aconteceu. Eu pensei: “imagina alguém que sofreu um trauma e agora quer saber se esse trauma o transformou na pessoa cruel que é hoje”. Foi assim que tudo começou e foi bem devagar que ganhou vida. No decorrer do tempo fui tendo outras ideias e anotando, acrescentando, até finalmente ter uma ideia de história. Mas o David já estava na primeira anotação. 

O David que eu tentei criar, e espero ter chegado o mais próximo possível disso, é um sujeito machucado, que apesar de ser o assassino da história também é uma vítima. Veja bem, eu não quero dizer que quem sofre merece um alívio de responsabilidade pelas coisas que faz, não é isso. Até porque, quantas pessoas vemos por aí que sofreram coisas terríveis e são pessoas incríveis. Mas no caso do David, eu não queria que ele fosse o personagem 100% do tempo odiado. Ele é uma pessoa confusa, solitária, que está perdida, assim como tantas pessoas no nosso mundo. A inspiração para esse personagem foi esse tipo de pessoa, aquela que está vagando, buscando respostas e que perdeu muita coisa. E, infelizmente, também perdeu a sensibilidade de sentir a dor do outro. E é isso que nunca podemos perder.     


4. Eu adoro listas. Elas nem sempre são justas, mas penso que servem para resumir uma ideia e passar boas dicas para as pessoas. Sendo assim, eu gostaria de saber quais foram os 10 melhores livros que você leu na vida.

É difícil responder essa pergunta, tem tanta coisa boa. Mas vou citar histórias que me marcaram de alguma maneira (não estão em ordem de importância). E tem duas HQs neste bolo.

- O médico e o monstro, de Robert Louis Stevenson
- A turma da rua quinze, de Marçal Aquino (é o primeiro livro que eu tenho na memória de ter lido quando criança)
- O senhor das moscas, de William Golding
- Coisas frágeis, de Neil Gaiman
- Homens maus fazem o que homens bons sonham, de Robert I. Simon (Não-ficção)
- A confissão da leoa, Mia Couto
- O exorcista, William Peter Blatty
- Nas montanhas da loucura, H.P. Lovecraft
- Daytripper, Fabio Moon e Gabriel Bá
- Watchmen, Alan Moore e Dave Gibbons


5. Uma das minhas paixões literárias são os quadrinhos. Você gosta de quadrinhos? O mercado de quadrinhos do Brasil está em franco crescimento, inclusive com a valorização dos autores nacionais. Você roteirizaria um quadrinho se tivesse oportunidade (policial, por exemplo)?

Eu adoro quadrinhos. Tanto que respondi a pergunta acima com dois deles (rs). Entre os que mais gosto estão Preacher, de Garth Ennis e Steve Dillon; Daytripper, de Fabio Moon e Gabriel Bá; Watchmen, de Alan Moore e Dave Gibbons; O que aconteceu com o homem mais rápido do mundo?, de Dave West e Marleen Lowe; tem um policial que li a pouco tempo que é sensacional, o Blacksad, de Díaz Canales e Guarnido (infelizmente ainda só li duas histórias). Tem muita coisa boa, tanto quanto na literatura. E é muito bom ver o crescimento dos quadrinhos e o crescimento do respeito por essa forma de contar histórias. 

E eu acredito nisso, no contar histórias. Se será através de um romance, um conto, um quadrinho, filme, série, música, não importa. Muitas vezes uma história pede um tipo específico de mídia, às vezes funciona melhor em quadrinhos, às vezes em um livro. Não importa se a história for boa, bem contada e tiver relevância na vida de alguém.

Eu tenho vontade de escrever quadrinhos sim. Na verdade tem um que comecei a rabiscar. Mas ele está aguardando tempo para se libertar e vir ao mundo (rs).


6. Qual o seu escritor favorito da vida?

Eu não tenho um escritor favorito. E digo isso porque existem muitas histórias incríveis de escritores completamente diferentes, então não consigo falar gosto mais desse ou daquele outro. Eu adoro Robert Louis Stevenson, que escreveu O médico e o monstro; recentemente li Mia Couto, que escreveu A confissão da leoa, e ele tem um jeito tão dele de escrever, uma narrativa ritmada, você não é levado só pela história, mas também pela forma como ele escreve. Minha escrita não tem nada a ver com a de Mia Couto e eu não quero escrever como ele, mas eu invejo, de forma muito carinhosa, a sensibilidade como ele tece seus textos. É lindo.   


7. A Tatiana Feltrin amou e indicou o seu livro no Youtube, tecendo só elogios a ele.  Como está sendo a recepção do seu livro pelas pessoas em geral? Você recebe um feedback dos seus leitores?

Foi incrível assistir o vídeo da Tatiana. Na verdade, a primeira coisa que eu vi foi um post dela no Instagram onde ela deu nota máxima ao livro. Quando eu vi aquela foto, nossa, foi uma mistura de alegria e alívio (rs). Porque quando eu mandei o exemplar ela deixou bem claro que seria totalmente honesta em relação a sua opinião, coisa que acho que tem que ser mesmo, afinal, ela precisa ser sincera, antes de tudo, com o público dela que se baseia muitas vezes em suas indicações. Mas, né, querendo ou não, como autor e como autor iniciante, uma crítica tem um peso muito grande. Tanto a positiva quanto a “negativa”. Então, depois do vídeo, veio aquela sensação boa de “ufa”. E a resenha foi ótima para ajudar a levar o livro para mais pessoas que conheceram O sorriso da hiena através do canal dela.

Eu tenho recebido um retorno muito bom. Tem pessoas que estão no meio da leitura, ainda nem terminaram, e mandam mensagens. Já aconteceu de uma delas dizendo que não gostaria se acontecesse algo com tal personagem (rs). Isso é muito bacana porque mostra que a pessoa realmente entrou na história. E tem aqueles que ainda não leram mas escrevem só para dizer que querem ler. Isso é maravilhoso. Porque são pessoas que não me devem nada, mas param um momento de suas vidas para falar coisas como “espero que você escreva mais livros”, isso é algo que eu não esperava acontecer assim, tão cedo, com menos de dois meses de um lançamento independente. Está sendo incrível.

Vídeo da Tatiana Feltrin:


8. Estou ansiosa pela sua próxima obra. Já está escrevendo? Pode adiantar algo sobre ela?

Eu tenho mais dois livros na fila. Um deles é uma outra história que envolve o Artur, o detetive de O sorriso da hiena, mas que se passa antes dos acontecimentos desse primeiro livro. Mas eu vou escrever, antes disso, um outro livro que já estou no processo de pesquisa. Não é um romance policial. Na verdade, tem um certo tipo de investigação, mas não é exatamente policial. Eu não posso falar muito ainda, mas a história irá se passar no Brasil e na África, mais especificamente na Etiópia e arredores. O sorriso da hiena tem uma discussão sobre a maldade, esse próximo livro será mais sobre o tema morte e a nossa relação com a própria vida.


Comentários: vamos aguardar, então, o próximo livro do Gustavo. Tenho certeza que ainda ouviremos muito o nome dele no meio literário. Enquanto isso, leia 'O sorriso da hiena' se ainda não o fez e aproveite as dicas legais que o autor deu em sua entrevista.



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